A hidrovia Tocantins/Araguaia
Derrocamento do “Pedral de São Lourenço”, em Itupiranga-PA, está parado.
Demora pode comprometer cadeia da produção mineral no Pará.
Uma obra considerada crucial para a construção da primeira siderúrgica de grande porte do Pará está parada desde 2011. É o aprofundamento de um trecho do Rio Tocantins, perto de Itupiranga , onde a passagem de grandes navios de carga é impossível atualmente.
A obra chegou a ser licitada e um consórcio de empreiteiras foi escolhido para tocar o projeto. Mas a licitação foi anulada em dezembro de 2011 pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), sob a justificativa de que o preço previsto estava elevado, segundo informou ao G1 a assessoria de imprensa do órgão.
No edital de licitação, estimava-se que o empreendimento poderia custar R$ 520 milhões; o consórcio vencedor, que apresentou o menor preço, orçou a obra em R$ 364 milhões. Mesmo assim, o Dnit avaliou que poderia ser ainda menos. No despacho que anulou a contratação, o diretor-executivo do órgão alegou que houve “erros no orçamento”, oriundos do projeto executivo do derrocamento.
O Dnit informou que, logo após a anulação, assinou um termo de cooperação com a Vale, convidando a mineradora a refazer ou adequar o projeto executivo, que poderia ser aproveitado pelo governo para uma nova licitação. Mas, segundo empresários da região e o próprio Dnit, ainda não há previsão de uma nova concorrência.
Em nota, a Vale afirma que, a pedido do Dnit, está apoiando a realização de estudos para esclarecimento de dúvidas técnicas que surgiram durante o processo de licitação das obras da hidrovia.
Siderúrgica
Na avaliação de empresários paraenses ouvidos pelo G1, a paralisação dessa obra ameaça a construção da Alpa (Aços Laminados do Pará), um projeto do grupo Vale que seria instalado em Marabá, no sudeste do Pará, com perspectiva de produção de 2,5 milhões de toneladas por ano.
Empresários dizem que a construção da Alpa é fundamental para a chamada verticalização da produção mineral no Pará – ou seja, que todas as etapas do processo produtivo, da extração minério de ferro ao seu beneficiamento, sejam feitas no estado.
Marabá já possui um polo siderúrgico, mas focado na produção de ferro-gusa, uma produto intermediário de ferro e carbono utilizado na criação de outras ligas de ferro e aço. A Alpa seria a primeira siderúrgica de grande porte do estado, produzindo chapas de metal que poderiam servir na cadeia produtiva de bens com maior valor agregado, como eletrodomésticos.
Porém, para a siderúrgica sair do papel, a Vale aponta que o empreendimento precisa de uma infraestrutura básica de transporte, que permita a chegada de matéria prima e o escoamento da produção. De acordo com o projeto da Vale, o plano seria usar o potencial do rio Tocantins, que corta o estado, como um corredor de acesso “ecológico” para o fluxo das mercadorias – hidrovias poluem menos que rodovias, por exemplo.
O problema é que um trecho de 43 km do rio, perto do município paraense de Itupiranga, não é próprio para a navegação por ser raso demais. Para que a hidrovia exista, o local precisa passar por um processo chamado derrocamento, que é uma escavação subaquática para que o rio tenha mais profundidade. Mas essa obra, que chegou a fazer parte do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento do governo federal, nunca saiu do papel.
Sem a obra na hidrovia, não há sinal de construção da siderúrgica – um pesadelo para o setor produtivo do estado, que sonha com o beneficiamento do minério extraído no Pará. Perde, também, o Centro-Oeste do país, que fica sem uma obra que facilitaria o escoamento da produção pelo rio. Até aqui, o governo já gastou mais de R$ 1,6 bilhão em obras que hoje estão subutilizadas, como as eclusas de Tucuruí, também no rio Tocantins.
Preocupação
No dia 9 de janeiro, o presidente da Companhia das Docas do Pará (CDP), Carlos José Ponciano Silva, enviou uma carta para representantes da bancada da mineração no estado, da qual fazem parte deputados paraenses que defendem os interesses de empresários ligados ao setor, alertando sobre a possibilidade do Pará perder o investimento da Alpa justamente pela demora na conclusão das obras na hidrovia. Ponciano não atendeu ao G1, mas tivemos acesso a correspondência onde ele afirma que o Governo Federal não teria mais interesse na realização do derrocamento, e que por isso a Vale estaria estudando implantar o projeto no Ceará.
Segundo a Vale, o grupo tem um projeto siderúrgico voltado para o Ceará anterior a Alpa, e as duas iniciativas não são mutuamente excludentes. Porém, a empresa informou em nota que, desde o início, o projeto da Alpa previa o uso da hidrovia Tocantins como corredor logístico para o recebimento do insumo e escoamento da produção da siderúrgica. Em nota, a Vale disse ainda que “irá começar a construção da usina assim que as obras de logística se iniciarem”.
Demora
O problema, que também é apontado pelo presidente da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), José Conrado, é que o projeto da hidrovia Tocantins está parado desde 2011. “Há uma certa indignação do setor produtivo do Pará. Fomos a Marabá com o Lula para lançar a pedra fundamental da Alpa, com datas para a operação, e estamos estarrecidos com a demora. Não é questão de recursos, o Pará teria condições de bancar o derrocamento do Pedral”, diz o presidente, referindo-se ao trecho de 43 km do rio Tocantins conhecido como “Pedral do Lourenço” situado entre a ilha da Bogéia e a localidade de Santa Terezinha do Taurí, no município de Itupiranga, no sudeste do Pará.
De acordo com o secretário de indústria, comércio e mineração do governo do Pará, David Leal, não é bem assim. Leal aponta como uma das principais dificuldades para a execução da obra o fato da hidrovia ter sido retirada do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2012. “Ainda esperamos que o Governo Federal cumpra a sua parte no sentido de recolocar no PAC a verba necessária para viabilizar a construção da obra”, explica.
Licitação
O edital de concorrência pública para as obras do derrocamento do Tocantins foi liberado pelo Dnit em 27 de agosto de 2010. A obra estava orçada em mais de R$ 520 milhões, e o vencedor seria quem apresentasse o menor preço para a execução do serviço, que tinha prazo de execução estipulado em 900 dias. Em 19 de maio de 2011, foi publicado no Diário Oficial da União que vencedor da concorrência havia sido o consórcio Serveng/Triunfo, com um valor global de R$ 364 milhões. Porém, a concorrência foi anulada em 19 de dezembro de 2011, conforme publicado no Diário Oficial, sem mais explicações.
Segundo o secretário David Leal, é sabido que o governo federal pediu a Vale que fosse providenciado um novo estudo de viabilidade técnica, que deveria ser entregue até dezembro de 2012, porém o estado não tem informações sobre o andamento deste estudo. A Vale informou em nota que, a pedido do Dnit, “está apoiando a realização de estudos técnicos para esclarecer as dúvidas que surgiram durante o processo de licitação das obras da hidrovia”.
Prejuízos
Para a Fiepa, o atraso na obra já está causando prejuízos na região. “Os investidores do sul do Pará tiveram consequências danosas, pois acreditaram na implantação da Alpa. Quem comprou imóveis, investiu no comércio… ficamos estarrecidos, pois houve assinatura de protocolo de intenção (para realização do empreendimento) e depois a obra foi retirada do PAC”, relembra o presidente da Federação, José Conrado.
De acordo com o deputado Raimundo Santos (PEN), presidente da Frente Parlametar de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável e Mineração do Pará, em Brasília há um entendimento que a obra da hidrovia não é mais necessária por conta da construção do trecho da ferrovia Norte-Sul entre Açailândia (MA) Barcarena(PA), porém a bancada da mineração do estado entende que a ferrovia não supre a necessidade da infraestrutura hidroviária, que pode ser um fator importante para que o minério extraído no Pará seja beneficiado no estado.
“Isto simplesmente vai condenar o povo do Pará a miséria. Seríamos o almoxarifado para servir a outros estados. Sem a verticalização da produção mineral, não teremos como ser um estado industrializado”, desabafa Santos.
“Sem a hidrovia, o Pará está condenado a ser fornecedor de produtos primários”, explica José Conrado, lembrando que hoje a produção mineral do Pará é escoada em São Luís, no Maranhão, e com isso o Pará perde em arrecadação de impostos já que, pela lei Kandir, a atividade mineradora possui diversas isenções fiscais. “O Pará não ganha nada”, relata Conrado.
Segundo a Secretaria de Indústria, Comércio e Mineração do Pará, a hidrovia também beneficiaria outros estados. “É uma obra de interesse ao desenvolvimento econômico, com sustentabilidade, não somente do Pará, mas de quatro estados brasileiros. O Centro Oeste vai se beneficiar. Há várias atividades no sul-sudeste do Pará, a exemplo da pecuária, além da mineração, as chamadas ‘cargas agregadas’, tudo nos leva para esse ponto de convergência de múltiplos interesses e ganhos sociais desses estados”, explica David Leal.
‘Elefante branco’
Além dos prejuízos para a cadeia produtiva do estado, o presidente da Federação das Indústrias também aponta que o derrocamento do Pedral do Lourenço daria finalidade a outra obra importante realizada no rio Tocantins: as eclusas de Tucuruí, que foram inauguradas pelo presidente Lula e pela então candidata à presidência, Dilma Roussef, em novembro de 2010.
“As eclusas custaram R$ 1,6 bilhão, e estão paradas. É um elefante branco, que não se justifica sem o restante das obras”, lamenta José Conrado. “O investimento (de derrocamento) retornaria em 5, 10 anos, reduzindo os custos agregados em 50%. Vamos ter que nos mobilizar, o Pará não pode ser enganado desta maneira”, desabafa.
Fonte : http://g1.globo.com/pa/para/noticia/2013/01/empresarios-do-para-reclamam-de-atraso-em-obra-de-hidrovia.html